Duração: de 28 de julho a 12 de agosto
Toma lá, dá cá. Depois do boicote americano em Moscou-1980, foi a vez de a União Soviética não comparecer aos Jogos organizados em Los Angeles. Oficialmente, os motivos seriam a falta de segurança e o uso da Olimpíada para fazer propaganda antissoviética. Era mais um capítulo da Guerra Fria com impacto no esporte.
O boicote foi acompanhado por outros 11 países do bloco socialista, incluindo Cuba e Alemanha Oriental. A única exceção foi a Romênia, que ficou em segundo no quadro de medalhas, com 20 ouros. As ausências causaram aberrações na disputa esportiva, como no levantamento de peso, em que 29 dos 30 medalhistas do último mundial não estavam nos Jogos.
Se, em 1976, Montreal quase quebrou com os gastos para sediar a competição, Los Angeles teve uma postura muito diferente. Foram construídas apenas duas instalações: o estádio aquático e o velódromo. Arenas de esportes profissionais e universitários receberam as competições na Califórnia, estado em que o presidente Ronald Reagan havia sido governador por dois mandatos.
Na cerimônia de abertura, o “homem-foguete”, que com uma mochila a jato voou no Memorial Coliseum de Los Angeles, mostrou que a tecnologia chegava para ficar. Tudo foi colocado à venda: desde o percurso de 19 mil quilômetros da tocha até a piscina olímpica, construída por uma rede de lanchonetes. Primeira da história a ser financiada pela iniciativa privada, a Olimpíada de Los Angeles deu um lucro considerável (US$ 232,5 milhões) e, com a entrada maciça de patrocinadores, estabeleceu um novo parâmetro de investimento.
Então com 23 anos, o americano Carl Lewis personificou a eficiência dos Jogos. Ele conquistou quatro medalhas de ouro no atletismo, igualando o feito de seu conterrâneo Jesse Owens, em Berlim-1936. Sua primeira vitória foi nos 100 m. Depois, no salto em distância, mas de forma controversa. Após um bom primeiro salto, ele queimou o segundo, e desistiu das quatro tentativas seguintes. Por isso, apesar do ouro, foi vaiado por não ter tentado alcançar o recorde mundial. Lewis se poupava para os 200 m, no qual estabeleceu novo recorde olímpico, e o revezamento 4 x 100 m, em que o time americano quebrou o recorde mundial.
Vencedora dos 400 m com barreiras, a marroquina Nawal El Moutawakel se tornou a primeira mulher de uma nação muçulmana a conquistar o ouro olímpico. Na primeira vez que as mulheres correram a maratona nos Jogos, a imagem mais marcante foi a da suíça Gabrielle Andersen-Schiess, exausta, cruzando a linha de chegada na última posição, sendo ovacionada pelo público. O chinês Li Ning também atraiu os holofotes. Com seis medalhas, três de ouro, duas de prata e uma de bronze, ele deixou os Estados Unidos com a alcunha “o príncipe da ginástica”. Vinte e quatro anos depois, em Pequim-2008, receberia a chance de acender a pira olímpica.
O Brasil conquistou oito medalhas, o melhor desempenho até então. No lugar mais alto do pódio, Joaquim Cruz fez história nos 800 m.
CURIOSIDADES
Prejuízo colossal
O McDonald's não imaginava o boicote socialista quando lançou a promoção “Quando os EUA vencem, você vence". Cada ouro conquistado valia um hambúrguer; a prata, uma batata frita; e o bronze, um refrigerante. Os EUA conquistaram 83 ouros, 61 pratas e 30 bronzes.
Pudor
Em L.A., as ginastas foram punidas com a perda de um ponto cada vez que parte do sutiã apareceu durante as provas.
Pequeno sonho
Ainda amadores, Michael Jordan, Patrick Ewing e Chris Mullin estavam na seleção americana que conquistou o ouro no basquete. Eles se tornariam estrelas da NBA e, oito anos depois, formariam o Dream Team, ouro em Barcelona-1992.
Primeiro recorde
O grego Spyridon Louis percorreu os mais de 40 km da primeira maratona em 2h58m50s, quase uma hora mais lento que o recorde mundial do queniano Dennis Kimetto, de 2h02m57s, alcançado em setembro de 2014, em Berlim. O nível de dificuldade, no entanto, era outro. O percurso de Atenas, muitas vezes, passava no meio do mato
Joaquim Cruz exibe a bandeira brasileira depois de conquistar o ouro nos 800 metros rasos - Aníbal Philot / Agência O Globo
O SPRINT PARA O ALTO DO PÓDIO
Para Joaquim Cruz, até hoje o único brasileiro medalhista de ouro em uma
prova de pista do atletismo olímpico, sua conquista em Los Angeles-1984
começou, na verdade, um ano antes. Em 1983, aos 20 anos, ele já era um jovem promissor
e em forte ascensão: havia sido campeão universitário nos Estados Unidos, honra
acrescida ao título mundial juvenil. Assim, foi a Helsinque, na Finlândia, para
a primeira edição do Mundial de Atletismo — sua primeira grande competição
internacional —, disposto a manter a tática que até então só tinha dado certo:
com fôlego invejável, Joaquim costumava disparar e forçar o ritmo desde a
largada dos 800m, prova considerada de meio-fundo, de forma a “quebrar” os
adversários, que ficavam sem energia para o sprint final, a tática mais comum
dos principais corredores.
Na final do Mundial, no entanto, o “quebrado” foi ele.
— Eu me sentia confortável correndo na frente, estava sempre dando certo,
só sabia fazer assim. De repente, na final, um inglês, o Peter Elliott, forçou
ainda mais, saiu em disparada. Aquilo me desarmou, eu caí no erro de disputar a
ponta com ele, gastei toda minha energia. Na reta final, fomos nós dois
ultrapassados — lembra Joaquim, que terminou com o bronze (Elliott foi quarto).
— Aquela lição me salvou na Olimpíada.
De qualquer forma, Joaquim chegou a Los Angeles entre os favoritos,
talvez apenas um pouco abaixo dos ingleses Sebatian Coe e Steve Owett, dois que
adoravam a tática de administrar o ritmo no início até o sprint final. Trinta e
dois anos depois, Joaquim diz que tinha convicção do ouro.
— Em janeiro de 1984, pressenti o ouro. Estava treinando muito bem. Tinha
muita certeza da vitória, só não gostava de falar, mesmo para pessoas próximas,
para não dar azar — revela o ex-atleta, de 53 anos, hoje treinador da equipe
paralímpica dos Estados Unidos. — Eu morava e treinava em Eugene, no Oregon. Um
dia, o síndico do meu prédio disse que tinha comprado ingresso para a final dos
800 m na Olimpíada. Fui no meu quarto, peguei minha bandeira do Brasil e dei
para ele: “me espera com ela perto da pista”. Aquela bandeira que eu peguei
para dar a volta olímpica era a minha.
Depois de vencer suas baterias nas quartas e na semifinal, Joaquim se
deparou novamente com um “coelho” na final olímpica. O queniano Edwin Koech
liderou mais da metade da prova (terminaria em sexto).
— Ali eu sabia que não podia repetir o erro de Helsinque. Fui em segundo,
atrás dele. O ritmo estava bom para mim. O esperado era o Coe vencer. Faltando
pouco mais de 100 metros, dei o bote, passei o queniano, e aí já não via mais
nada. Só sentia a pista livre e a linha de chegada me abraçando — conta ele,
cuja vitória teve enorme repercussão. — Estava passando ao vivo, né?
Interromperam a novela para mostrar minha prova.
Aquele foi o único ouro brasileiro em Los Angeles, mas houve outros
grandes momentos do país, que conquistou ainda cinco pratas e dois bronzes. O
vice-campeonato de Ricardo Prado merece citação especial.
Natural de Andradina, no noroeste paulista, divisa com o Mato Grosso do
Sul, Pradinho, de 1,65 m, foi um nadador precoce: aos 12 anos, integrou a
seleção brasileira num sul-americano. Aos 15, disputou a Olimpíada de Moscou.
Com 17, em 1982, bateu o recorde mundial dos 400 m medley, marca que seria
quebrada pelo canadense Alex Baumann meses antes dos Jogos de Los Angeles. Na
final olímpica, Pradinho largou na frente, mas foi superado por Baumann, que
melhorou sua marca histórica.
Marcou época para os brasileiros ainda a chamada “geração de prata”, o
time de vôlei de William, Renan, Montanaro e Bernard, entre outros, que perdeu
a final para a seleção da casa. Comandado pelo técnico Bebeto de Freitas, e com
Bernardinho como levantador reserva, aquele time semeou o ouro que viria depois
com as gerações de 1992 e 2004.
O Brasil ainda foi prata no judô, com Douglas Vieira, na vela, com o trio
Torben Grael, Daniel Adler e Ronaldo Senfft, e no futebol masculino. E bronze,
com Wlater Carmona e Luiz Onmura, ambos do judô.
Nas semifinais, Gilmar Pipoca fez um dos gols da vitória brasileira sobre a Itália por 2 a 1 - Terceiro / AP
CHOQUE CULTURAL NA PRATA
Muitos acreditam que a mistura de futebol e Jogos Olímpicos não encaixa
perfeitamente, talvez fruto da dimensão que o esporte mais popular do mundo dá
a seus atletas. A desvalorização de quem fica em segundo e terceiro lugares é
um das características da cultura da modalidade em que o Brasil chegou, em
1984, como tricampeão da Copa do Mundo. A histórica apresentação do cantor
americano Lionel Richie no Memorial Coliseum de Los Angeles, quando cantou o
hit “All Night Long” por nove minutos na festa de encerramento, ajudou a
cicatrizar a dor da perda da medalha de ouro, até hoje inédita para a seleção
brasileira. No campo, os jogadores dançavam com atletas do mundo inteiro,
muitos deles desconhecidos amadores.
Na véspera, o Brasil caíra na final para a seleção francesa por 2 a 0,
diante de mais de 100 mil torcedores no Rose Bowl, em Pasadena, mesmo estádio
que, dez anos depois, seria palco do tetracampeonato mundial — o goleiro Gilmar
Rinaldi e o volante Dunga foram os únicos presentes nas duas competições.
Passado os primeiros momentos de tristeza, a primeira medalha olímpica do
futebol brasileiro ganhava valor no mar de atletas que se despedia de mais uma
Olimpíada.
— Eu fiquei muito abatido depois do jogo, muito mesmo. Não conseguia
comemorar. Só pensava no ouro. Foi muito triste o momento do hino francês,
quando a bandeira do Brasil subiu um degrau abaixo — relembra o jogador eleito
como o melhor da competição, Gilmar Popoca, então no Flamengo, e hoje técnico
da equipe sub-20 do clube. — Depois de um dia, você começa a entender o que é
ser um medalhista olímpico. Cheguei de tão longe e estava fazendo sucesso ali.
A medalha está guardada com muito carinho e amor. Ela traz muito mais
lembranças boas do que ruins.
O sentimento é compartilhado por um companheiro de seleção, o zagueiro
Mauro Galvão. Ele é crítico à forma como as disputas olímpicas são encaradas no
esporte por quem fez carreira de sucesso.
— Na hora, a gente não tem noção do que representa a medalha, mas eu a
guardo de forma muito especial. O futebol tem valores muitos errados, acha que
só o primeiro lugar é que tem valor, mas não é. Na Olimpíada existem três
medalhas: ouro, prata e bronze. Ao ganhar uma delas, você já cumpriu mais do
que sua obrigação — afirma o ex-jogador. — Hoje, com mais experiência, consigo
entender o quanto foi bacana ter participado dos Jogos como atleta. Todos os
atletas deveriam ter essa possibilidade.
Os mais de seis mil competidores dos Jogos se dividiram em três vilas
olímpicas, todas em campus universitários americanos. O Brasil ficou na Universidade
da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), de onde o time de futebol não conseguia
sair para acompanhar as demais delegações do país. Com treinos diários, o jeito
era acompanhar o desenrolar dos Jogos em televisões coletivas espalhadas pela
vila. Mais próximos da seleção de vôlei, que também deixaria os Estados Unidos
com a medalha de prata, os jogadores acabaram se interessando também por outros
esportes.
— Na hora de fazer as refeições, não tínhamos a obrigação de sentar com
nossa delegação de futebol ou com os brasileiros. Me lembro de, uma vez, sentar
na mesa com um chinês. Só depois é que soubemos que ele era o Li Ning, um dos
feras da Olimpíada, que ganhou medalha de tudo quanto é jeito — conta Popoca
sobre o “Príncipe da ginasta”. — Ficamos na mesma vila que países da Cortina de
Ferro, da China, então, a segurança era 50 vezes maior. Lembro de conviver com
os caras da SWAT (esquadrão de elite da polícia americana), que só víamos em
filmes. Até isso era muito legal.
A formação da seleção brasileira que foi aos Jogos é, no mínimo, curiosa.
A partir de 1984, as regras para a participação na Olimpíada foram modificadas.
A competição já não seria apenas para amadores, bastava que os jogadores nunca
tivessem atuado em uma Copa do Mundo. Com reformulações às vésperas da
competição, a CBF convidou o time do Fluminense para representar o país, que
declinou. O convite viria a ser aceito pelo Internacional.
A seleção, então, foi formada por 11 jogadores do clube gaúcho mais
representantes de Flamengo, Corinthians, Santos, Grêmio e Ponte Preta. Na
primeira fase, o time dirigido por Jair Picerni venceu a Arábia Saudita por 3 a
1, fez um jogo duro contra a Alemanha Ocidental, mas conseguiu a vitória em
cobrança de falta de Popoca a quatro minutos do fim, e bateu Marrocos por 2 a
0. As quartas de final contra o Canadá parecia fácil, mas o Brasil começou
atrás e teve que buscar o empate. A classificação para as semifinais veio nos
pênaltis.
— Naquele época, não tínhamos muitas informações sobre os adversários.
Íamos na intuição, na vontade e no entrosamento que os jogadores do Inter
tinham e que outros foram inseridos — diz Mauro Galvão.
Na semifinal, o Brasil passou pela Itália, de Baresi e Massaro, por 2 a 1
depois de empate no tempo normal.
— Foi um jogo muito pegado e violento, o que eu mais sofri — revela
Popoca, que abriu o placar no início do segundo tempo. — Na época, o futebol
italiano contratava muitos brasileiros. Na saída para o intervalo, um deles
veio com raiva e perguntou se eu queria um dólar. Eu disse que ia dar uma
caneta e dei mesmo, mas levei uma rasgada que cortou minha caneleira.
Na final, a ducha de água fria veio com dois gols franceses, marcados por
Brisson e pelo artilheiro Xuereb no início do segundo tempo. Após a tristeza, a
prata seria celebrada no dia seguinte com “All Night Long”.
ARTIGO: Não há Olimpíada sem política
Por Renato Galeno *
Até o calendário da Grécia Clássica e Helenística foi definido pelo
esporte – “olimpíada” nada mais era do que o período de quatro anos entre os
Jogos, numa forma de harmonizar calendários específicos de cada cidade-estado
(como o “antes e depois” de Cristo hoje em dia).
Nas Olimpíadas modernas, a política sempre esteve presente. Os Jogos
nazistas de Berlim, em 1936, foram o exemplo mais óbvio. Os Jogos de 1960
(Roma) e 1964 (Tóquio) serviram como símbolo do retorno de Itália e Japão,
países do Eixo na Segunda Guerra Mundial, à comunidade internacional. Mas o
auge da relação entre política e esporte se deu entre 1968 e 1984. Política
internacional, em grande medida, era algo reservado para presidentes,
primeiros-ministros e ditadores, mas o ano de 1968 derrubou as fronteiras
mentais quando milhões de jovens foram às ruas, seja por questões específicas
(Guerra do Vietnã nos EUA, ditadura no Brasil) ou por temas universais, como
feminismo, meio ambiente, terror nuclear ou a máxima “é proibido proibir”, de
maio em Paris. E nenhum evento neste ano era tão obviamente planetário quanto a
Olimpíada, onde o mundo se encontra a cada quatro anos.
Na Cidade do México, a “política” começou dez dias antes dos Jogos,
quando militares dispararam em direção a estudantes que protestavam contra a
violência governamental na Praça de Tlatelolco, matando centenas (massacre só
reconhecido pelo governo mexicano em 2001). Isso, à época, a comunidade
internacional não viu, mas ninguém no mundo teve a chance de ignorar o que
outros três jovens fariam na cerimônia de premiação dos 200 m rasos. O
vencedor, Tommie Smith, e o terceiro colocado, John Carlos, eram negros
americanos e integrantes do Projeto Olímpico para os Direitos Humanos (PODH).
Membros da delegação chinesa faz protesto na cerimônia de abertura da Olimpíada de Roma, em 1960 - AP
Num dos gestos mais marcantes da história dos Jogos, durante a execução
do hino nacional dos EUA, Smith e Carlos abaixaram suas cabeças (a norma
patriótica ordena que se olhe a bandeira sendo hasteada) e levantaram punhos
cerrados ao ar, com suas mãos cobertas por luvas negras — a saudação do Poder
Negro. Na segunda posição ficou o australiano Peter Norman, branco. Mas, longe
de ter sido um estranho no ninho do protesto, Norman apoiou inteiramente os
adversários americanos. Ele prendeu no uniforme o símbolo do PODH. Smith e
Carlos foram banidos dos Jogos por ordem do então presidente do COI, um
americano, mas depois seriam resgatados por seu país.
Já o solidário Norman, que se uniu a uma causa que não era sua por
considerá-la um dever moral, foi ridicularizado e ameaçado ao voltar para casa,
e foi um dos poucos medalhistas australianos a não ser convidado para a
cerimônia de abertura dos Jogos na “sua” Austrália, em 2000. Quando morreu, em
2006, seu caixão foi carregado por Smith e Carlos. O Parlamento australiano
pediu desculpas à memória de Norman apenas em 2012.
A Olimpíada seguinte deveria ser o momento em que a política se
encontraria com a alegria. Munique, palco principal da ascensão do nazismo na
Alemanha, recebia o mundo não com os braços raivosamente estendidos da saudação
nazista, mas de braços abertos. O que ocorreu, no entanto, foi o momento mais
sombrio da história olímpica.
A delegação mais celebrada era a israelense, um pedido de desculpas pelo
Holocausto. Porém, 11 integrantes da delegação seriam vítimas de um ataque
realizado pelo grupo nacionalista palestino Setembro Negro (criado como
referência à repressão de palestinos na Jordânia em 1970, e liderado em Munique
por um palestino laico, filho de pai cristão e mãe judia). Durante a madrugada,
o prédio da delegação israelense foi invadido. Dois atletas que resistiram
foram mortos. Os demais nove reféns morreram durante uma patética tentativa de
resgate (dois meses depois, Bonn criaria sua unidade antiterrorista de elite, a
GSG-9). A foto mais marcante da história olímpica não é a da vitória de Jesse
Owens em 1936 ou das piruetas mágicas de Nadia Comaneci em 1976, mas a de um
terrorista encapuzado na sacada do prédio invadido.
A política internacional precederia os Jogos de 1976, quando as duas
potências rivais da Guerra Fria ofereceram cidades-candidatas (Moscou e Los
Angeles). A maioria silenciosa preferiu uma opção relativamente neutra, o
Canadá. Apesar disso, as Olimpíadas de Montreal seriam marcadas pelo primeiro
boicote em massa. Vinte e oito países retiraram-se dos Jogos: todos os países
africanos então independentes (com duas exceções), além de Iraque e Guiana. O
motivo foi a participação da Nova Zelândia nos Jogos. Desde 1964, a África do
Sul estava banida do esporte devido ao apartheid. Além disso, nenhuma equipe
estrangeira deveria receber ou visitar equipes sul-africanas. Mas a equipe de
rúgbi da Nova Zelândia fez uma turnê na África do Sul — seus cinco atletas
maoris receberam o status de “brancos honorários” enquanto estavam lá. Os
países africanos exigiram a proibição da participação neozelandesa nos Jogos e,
ao terem o pedido negado, retiraram-se.
Mas seria nas duas Olimpíadas seguintes que a política internacional
afetaria de modo escancarado o esporte. Traindo o espírito original dos Jogos
(quando as guerras paravam), o esporte se tornou a continuação da política por
outros meios (parafraseando Clausewitz). Como reação à invasão do Afeganistão
no Natal de 1979, o governo do então presidente Jimmy Carter anunciou que os
EUA boicotariam os Jogos de Moscou, em 1980, e exerceu pressão internacional
para ser seguido. Ao todo, 66 países deixaram de participar. Dezessete países
enviaram delegações, mas sob diferentes graus de protesto, como não participar
da cerimônia de abertura ou competir sob a bandeira olímpica. O ursinho Misha
chorou.
Uma Olimpíada depois, a retribuição. A União Soviética anuncia que não
participaria dos Jogos de Los Angeles, levando ao boicote de 14 países do bloco
comunista (o que significou a ausência de várias das principais potências
esportivas), além de outros três por outros motivos, como o Irã do aiatolá
Khomeini e a Líbia de Kadafi. Os primeiros furos no bloco comunista já podiam
ser sentidos, como demonstram as participações de Romênia e Iugoslávia — e da
China, que boicotara os Jogos de Moscou.
Política e Olimpíada são criações gregas. O significado original de
“política” pode ser resumido como “aquilo que é próprio dos habitantes da pólis
para a vida em comum”. A Olimpíada é o momento em que o mundo se encontra, em
que ele se enxerga como algo compartilhado por todos os humanos. Que nunca mais
se desvirtue este tipo de política representada pelo puro espírito olímpico
original.
Fonte: oglobo.globo.com/esportes