Mark Splitz venceu as sete provas que disputou na Olimpíada de 1972 - Acervo COI
A primeira Olimpíada transmitida ao vivo para o Brasil viverá para sempre
com a marca do terror, mas Munique-1972 também teve momentos esportivamente
históricos. Acima de todos, o nadador Mark Spitz entrou para o olimpo do
esporte com um desempenho assombroso: o americano disputou sete provas. Não
apenas conquistou sete medalhas de ouro como quebrou os sete recordes mundiais
que desafiou: 100 m livre, 100 m borboleta, 200 m livre, 200 m borboleta,
revezamento 4x100 m livre, revezamento 4x200 m livre e revezamento 4×100 m
medley.
Acumulando recordes e vitórias desde a infância nos Estados Unidos, Spitz
já era considerado um prodígio, e entrou como favorito em sua primeira
Olimpíada, na Cidade do México-1968. A altitude da capital mexicana teria
prejudicado seu rendimento, e Spitz conquistou “apenas” duas medalhas de ouro,
ambas em prova de revezamento. Decepcionado, intensificou os treinos e ganhou
praticamente tudo que disputou nos quatro anos seguintes. Em Munique, teve o
melhor desempenho de um atleta na história olímpica até então.
Americano de origem judaica, Spitz foi levado embora da vila olímpica
assim que terminou de competir, pelo medo de que pudesse ser novo alvo do grupo
Setembro Negro, responsável pelo ataque à delegação de Israel. No auge
absoluto, e desapontado pelo episódio, Spitz encerrou precocemente a carreira
aos 22 anos, eternizando-se como um dos maiores atletas de todos os tempos.
Outras histórias empolgantes marcaram os Jogos de Munique, os primeiros a
contar com uma mascote, o cachorrinho Waldi. Pelo menos duas delas envolveram
superação de grandes atletas, como convém às melhores narrativas do esporte. A
ginasta soviética Olga Korbut, de 17 anos, emocionou o público com seu choro
compulsivo ao falhar na final do individual geral. Carismática, medindo apenas
1,50 m, ela se recuperou nos dias seguintes, amealhando o ouro no solo e na
trave, além da prata nas barras assimétricas.
Recuperação maior foi a do finlandês Lasse Viren, na final dos 10.000 m,
no atletismo. Ele sofreu uma queda durante a prova. Levantou-se, em último
lugar, e não só ultrapassou todos os adversários para ganhar o ouro como bateu
o recorde mundial. Ele também foi campeão dos 5.000 m.
Entre os esportes coletivos, a partida mais sensacional foi a final do
basquete masculino, quando a União Soviética destronou a hegemonia dos Estados
Unidos com uma emocionante vitória por 51 a 50. Reclamando da arbitragem, os
americanos se recusaram a receber a medalha de prata.
A participação brasileira foi discreta. A delegação de 89 atletas voltou
para casa com duas medalhas de bronze: a de Nelson Prudêncio, confirmando a
força do Brasil no salto triplo, e a de Chiaki Ishii no judô, iniciando a longa
tradição brasileira na modalidade. Até hoje, o judô é o esporte que mais deu
medalhas (19) ao país.
CURIOSIDADES
Atrasadinhos
Favoritos nos 100 m e nos 200 m rasos, respectivamente, os americanos Rey
Robinson e Eddie Hart confundiram os horários das semifinais de suas provas e
chegaram atrasados ao Estádio Olímpicos. Os dois foram desclassificados.
Recorde
Aos 70 anos, a amazona britânica Lorna Johnstone se tornou a a mulher
mais velha a participar dos Jogos.
Mau comportamento
Respectivamente ouro e prata nos 400m rasos, os americanos Vincent
Matthews e Wayne Collett ficaram conversando no pódio durante a execução do
hino de seu país e foram punidos pelo COI. Os dois não puderam disputar o
revezamento 4x400m.
O TERROR OLÍMPICO
Atiradores de elite da polícia alemã tentam se aproximar do local onde estavam os reféns - AP
dez dias de uma das melhores edições dos Jogos Olímpicos já tinham se
passado quando, de forma trágica, o 5 de setembro amanheceu em Munique. Ainda
durante a madrugada, pouco depois das 4h, oito membros do grupo terrorista Setembro
Negro, que lutava pela causa do Estado palestino, invadiram a vila olímpica
pulando cercas e se dirigiram ao dormitório da delegação de Israel. No
confronto para tomar o local, mataram dois israelenses, o técnico de luta
olímpica Moshe Weinberg e o lutador Yossef Romano. Aquela edição dos Jogos e a
própria história olímpica jamais seriam as mesmas após esse triste
acontecimento.
Os terroristas fizeram reféns nove membros da delegação israelense, e, de
dentro de um dos quartos do prédio, iniciou-se uma longa negociação que
terminaria da pior forma. Os palestinos exigiam a libertação de 234 presos em
Israel. A situação era delicada de qualquer ângulo que se olhasse. Embora
também fossem vítimas no episódio, as autoridades alemães estavam em posição desconfortável.
Vale lembrar que os sequestrados eram judeus, e as marcas terríveis do
Holocausto continuavam vivas. A própria realização da Olimpíada na Alemanha era
uma forma de reparação histórica do país junto à comunidade internacional.
Ao longo de 15 horas de negociação, houve uma sucessão de equívocos das
forças policiais. Primeiro, atiradores da polícia tentaram cercar o prédio,
avançando inclusive sobre o telhado, mas foram descobertos pelos sequestradores
da maneira mais prosaica: as televisões estavam transmitindo a operação ao
vivo, e a energia dos apartamentos não fora cortada. Então, o afastamento dos
atiradores foi exigido, e atendido. Àquela altura, toda a vila olímpica já
estava cercada por mais de três mil agentes das forças de segurança.
A negociação para liberação dos reféns, porém, não evoluiu durante todo o
dia. Já à noite, ensaiou-se um princípio de acordo. O governo alemão cederia
dois helicópteros para que os terroristas, junto com os reféns, seguissem até o
aeroporto militar de Munique, de onde partiriam para o Cairo, no Egito.
O plano da polícia era fazer uma emboscada no aeroporto: atiradores foram
posicionados em vários locais. Até mesmo a tripulação do avião que os levaria
para o Egito era de agentes disfarçados. Mas viriam outros erros em sequência.
Sem avisar ao comando da operação, os policiais disfarçados de tripulação
abandonaram suas posições no avião. Eles deveriam render os dois terroristas
que iriam revistar a aeronave, enquanto outros seis ficariam com os reféns nos
helicópteros.
Ao se depararem com o avião vazio, os sequestradores intuíram a emboscada
e correram de volta para os helicópteros. Neste momento, um dos atiradores, por
decisão própria, abriu fogo contra eles. Deflagrado o tiroteio sem
planejamento, o resultado foi inevitavelmente trágico: 16 mortos.
Terrorista palestino observa e negocia com autoridades alemãs - AP
Amarrados dentro dos helicópteros, os israelenses não tinham como fugir e
foram executados. Em meio ao caos, um dos terroristas explodiu uma granada em
uma das aeronaves. Nenhum dos nove reféns israelenses sobreviveu, chegando a 11
o número de mortos na delegação, somados aos dois vitimados na tomada da vila
olímpica. No caos no aeroporto, cinco terroristas foram mortos, e os outros
três se entregaram. Na confusão, também perderam a vida um policial alemão e o
piloto de um dos helicópteros. Por volta de 1h da manhã já do dia 6 de
setembro, tudo acabou.
Aquela Olimpíada estava irremediavelmente manchada. Além das críticas
imediatas ao fracasso da condução da negociação pela polícia alemã, pairou a
dúvida sobre a continuidade daquela edição dos Jogos. Evidentemente não houve
provas no dia 6, mas elas foram retomadas no dia seguinte, após 34 horas de
paralisação.
Antes, foi realizada uma cerimônia de homenagem às vítimas israelenses no
estádio olímpico de Munique, com a presença de cerca de 80 mil pessoas e 3 mil
atletas, com a bandeira olímpica a meio mastro. A Olimpíada continuou, em clima
fúnebre.
Os efeitos daquela tragédia seriam permanentes na história do esporte.
Pela primeira vez, o maior evento esportivo do mundo, com valores ligados ao
congraçamento dos povos, havia sido diretamente atingido pelo horror. Dali em
diante, a segurança passou a ocupar papel primordial na organização de uma
Olimpíada.
Na esfera geopolítica, aquele caso não parou ali. Meses após os Jogos de
Munique, terroristas simpatizantes do movimento Setembro Negro sequestraram um
avião da companhia aérea alemã Lufthansa e exigiram a libertação dos três
terroristas que se entregaram e foram presos no aeroporto de Munique naquela
noite de terror. O governo alemão atendeu à exigência para evitar uma nova
tragédia.
Nos anos seguintes, o governo de Israel, sob a liderança da
primeira-ministra Golda Meir, lançou uma campanha de vingança pelo atentado
contra a delegação israelense na vila olímpica. Nos dias seguintes, houve
bombardeio sobre áreas que estariam sob domínio de grupos palestinos na Síria e
no Líbano.
Os três terroristas libertados por exigência dos sequestradores do voo da
Lufthansa foram perseguidos para sempre. Dois deles acabaram mortos em
condições pouco conhecidas. O último deles, Abu Daoud, que seria o mentor da
ação na vila olímpica, sobreviveu a um atentado em 1981 e só morreria em 2010,
vivendo em Damasco, capital da Síria, de causas naturais.