1972, MUNIQUE

Duração: de 26 de agosto a 11 de setembro



Mark Splitz venceu as sete provas que disputou na Olimpíada de 1972 - Acervo COI




A primeira Olimpíada transmitida ao vivo para o Brasil viverá para sempre com a marca do terror, mas Munique-1972 também teve momentos esportivamente históricos. Acima de todos, o nadador Mark Spitz entrou para o olimpo do esporte com um desempenho assombroso: o americano disputou sete provas. Não apenas conquistou sete medalhas de ouro como quebrou os sete recordes mundiais que desafiou: 100 m livre, 100 m borboleta, 200 m livre, 200 m borboleta, revezamento 4x100 m livre, revezamento 4x200 m livre e revezamento 4×100 m medley.

Acumulando recordes e vitórias desde a infância nos Estados Unidos, Spitz já era considerado um prodígio, e entrou como favorito em sua primeira Olimpíada, na Cidade do México-1968. A altitude da capital mexicana teria prejudicado seu rendimento, e Spitz conquistou “apenas” duas medalhas de ouro, ambas em prova de revezamento. Decepcionado, intensificou os treinos e ganhou praticamente tudo que disputou nos quatro anos seguintes. Em Munique, teve o melhor desempenho de um atleta na história olímpica até então.

Americano de origem judaica, Spitz foi levado embora da vila olímpica assim que terminou de competir, pelo medo de que pudesse ser novo alvo do grupo Setembro Negro, responsável pelo ataque à delegação de Israel. No auge absoluto, e desapontado pelo episódio, Spitz encerrou precocemente a carreira aos 22 anos, eternizando-se como um dos maiores atletas de todos os tempos.

Outras histórias empolgantes marcaram os Jogos de Munique, os primeiros a contar com uma mascote, o cachorrinho Waldi. Pelo menos duas delas envolveram superação de grandes atletas, como convém às melhores narrativas do esporte. A ginasta soviética Olga Korbut, de 17 anos, emocionou o público com seu choro compulsivo ao falhar na final do individual geral. Carismática, medindo apenas 1,50 m, ela se recuperou nos dias seguintes, amealhando o ouro no solo e na trave, além da prata nas barras assimétricas.

Recuperação maior foi a do finlandês Lasse Viren, na final dos 10.000 m, no atletismo. Ele sofreu uma queda durante a prova. Levantou-se, em último lugar, e não só ultrapassou todos os adversários para ganhar o ouro como bateu o recorde mundial. Ele também foi campeão dos 5.000 m.

Entre os esportes coletivos, a partida mais sensacional foi a final do basquete masculino, quando a União Soviética destronou a hegemonia dos Estados Unidos com uma emocionante vitória por 51 a 50. Reclamando da arbitragem, os americanos se recusaram a receber a medalha de prata.

A participação brasileira foi discreta. A delegação de 89 atletas voltou para casa com duas medalhas de bronze: a de Nelson Prudêncio, confirmando a força do Brasil no salto triplo, e a de Chiaki Ishii no judô, iniciando a longa tradição brasileira na modalidade. Até hoje, o judô é o esporte que mais deu medalhas (19) ao país.

CURIOSIDADES

Atrasadinhos

Favoritos nos 100 m e nos 200 m rasos, respectivamente, os americanos Rey Robinson e Eddie Hart confundiram os horários das semifinais de suas provas e chegaram atrasados ao Estádio Olímpicos. Os dois foram desclassificados.

Recorde

Aos 70 anos, a amazona britânica Lorna Johnstone se tornou a a mulher mais velha a participar dos Jogos.


Mau comportamento

Respectivamente ouro e prata nos 400m rasos, os americanos Vincent Matthews e Wayne Collett ficaram conversando no pódio durante a execução do hino de seu país e foram punidos pelo COI. Os dois não puderam disputar o revezamento 4x400m.



O TERROR OLÍMPICO



Atiradores de elite da polícia alemã tentam se aproximar do local onde estavam os reféns - AP



dez dias de uma das melhores edições dos Jogos Olímpicos já tinham se passado quando, de forma trágica, o 5 de setembro amanheceu em Munique. Ainda durante a madrugada, pouco depois das 4h, oito membros do grupo terrorista Setembro Negro, que lutava pela causa do Estado palestino, invadiram a vila olímpica pulando cercas e se dirigiram ao dormitório da delegação de Israel. No confronto para tomar o local, mataram dois israelenses, o técnico de luta olímpica Moshe Weinberg e o lutador Yossef Romano. Aquela edição dos Jogos e a própria história olímpica jamais seriam as mesmas após esse triste acontecimento.

Os terroristas fizeram reféns nove membros da delegação israelense, e, de dentro de um dos quartos do prédio, iniciou-se uma longa negociação que terminaria da pior forma. Os palestinos exigiam a libertação de 234 presos em Israel. A situação era delicada de qualquer ângulo que se olhasse. Embora também fossem vítimas no episódio, as autoridades alemães estavam em posição desconfortável. Vale lembrar que os sequestrados eram judeus, e as marcas terríveis do Holocausto continuavam vivas. A própria realização da Olimpíada na Alemanha era uma forma de reparação histórica do país junto à comunidade internacional.

Ao longo de 15 horas de negociação, houve uma sucessão de equívocos das forças policiais. Primeiro, atiradores da polícia tentaram cercar o prédio, avançando inclusive sobre o telhado, mas foram descobertos pelos sequestradores da maneira mais prosaica: as televisões estavam transmitindo a operação ao vivo, e a energia dos apartamentos não fora cortada. Então, o afastamento dos atiradores foi exigido, e atendido. Àquela altura, toda a vila olímpica já estava cercada por mais de três mil agentes das forças de segurança.
A negociação para liberação dos reféns, porém, não evoluiu durante todo o dia. Já à noite, ensaiou-se um princípio de acordo. O governo alemão cederia dois helicópteros para que os terroristas, junto com os reféns, seguissem até o aeroporto militar de Munique, de onde partiriam para o Cairo, no Egito.

O plano da polícia era fazer uma emboscada no aeroporto: atiradores foram posicionados em vários locais. Até mesmo a tripulação do avião que os levaria para o Egito era de agentes disfarçados. Mas viriam outros erros em sequência. Sem avisar ao comando da operação, os policiais disfarçados de tripulação abandonaram suas posições no avião. Eles deveriam render os dois terroristas que iriam revistar a aeronave, enquanto outros seis ficariam com os reféns nos helicópteros.

Ao se depararem com o avião vazio, os sequestradores intuíram a emboscada e correram de volta para os helicópteros. Neste momento, um dos atiradores, por decisão própria, abriu fogo contra eles. Deflagrado o tiroteio sem planejamento, o resultado foi inevitavelmente trágico: 16 mortos.
  

Terrorista palestino observa e negocia com autoridades alemãs - AP




Amarrados dentro dos helicópteros, os israelenses não tinham como fugir e foram executados. Em meio ao caos, um dos terroristas explodiu uma granada em uma das aeronaves. Nenhum dos nove reféns israelenses sobreviveu, chegando a 11 o número de mortos na delegação, somados aos dois vitimados na tomada da vila olímpica. No caos no aeroporto, cinco terroristas foram mortos, e os outros três se entregaram. Na confusão, também perderam a vida um policial alemão e o piloto de um dos helicópteros. Por volta de 1h da manhã já do dia 6 de setembro, tudo acabou.

Aquela Olimpíada estava irremediavelmente manchada. Além das críticas imediatas ao fracasso da condução da negociação pela polícia alemã, pairou a dúvida sobre a continuidade daquela edição dos Jogos. Evidentemente não houve provas no dia 6, mas elas foram retomadas no dia seguinte, após 34 horas de paralisação.

Antes, foi realizada uma cerimônia de homenagem às vítimas israelenses no estádio olímpico de Munique, com a presença de cerca de 80 mil pessoas e 3 mil atletas, com a bandeira olímpica a meio mastro. A Olimpíada continuou, em clima fúnebre.

Os efeitos daquela tragédia seriam permanentes na história do esporte. Pela primeira vez, o maior evento esportivo do mundo, com valores ligados ao congraçamento dos povos, havia sido diretamente atingido pelo horror. Dali em diante, a segurança passou a ocupar papel primordial na organização de uma Olimpíada.

Na esfera geopolítica, aquele caso não parou ali. Meses após os Jogos de Munique, terroristas simpatizantes do movimento Setembro Negro sequestraram um avião da companhia aérea alemã Lufthansa e exigiram a libertação dos três terroristas que se entregaram e foram presos no aeroporto de Munique naquela noite de terror. O governo alemão atendeu à exigência para evitar uma nova tragédia.

Nos anos seguintes, o governo de Israel, sob a liderança da primeira-ministra Golda Meir, lançou uma campanha de vingança pelo atentado contra a delegação israelense na vila olímpica. Nos dias seguintes, houve bombardeio sobre áreas que estariam sob domínio de grupos palestinos na Síria e no Líbano.

Os três terroristas libertados por exigência dos sequestradores do voo da Lufthansa foram perseguidos para sempre. Dois deles acabaram mortos em condições pouco conhecidas. O último deles, Abu Daoud, que seria o mentor da ação na vila olímpica, sobreviveu a um atentado em 1981 e só morreria em 2010, vivendo em Damasco, capital da Síria, de causas naturais.