1968, CIDADE DO MÉXICO


A mexicana Enriqueta Basilio acende a pira olímpica - Acervo COI






Duração: de 12 a 27 de outubro
Países: 112
Atletas: 5.516

A capital mexicana trouxe um fator novo para os Jogos Olímpicos: a altitude. A localização da cidade, 2.350 m acima do nível do mar, teve um impacto imediato na preparação e no resultado das provas, especialmente no atletismo. Foi um festival de recordes batidos nas provas de velocidade, saltos e arremessos. Enquanto isso, as provas de longa distância apresentaram uma dificuldade extra.
No Estádio Olímpico Universitário, que, em outra novidade da competição, tinha pista de atletismo com grama sintética, o americano Bob Beamon saltou 8,90m, superando o recorde mundial em 55cm. Ele permaneceria como dono da melhor marca do salto em distância por 23 anos. Nos 100 m rasos, o americano Jim Hines bateu o recorde mundial ao se tornar o primeiro homem a oficialmente correr abaixo da marca dos 10 segundos (9s95).
Viktor Saneev, da União Soviética, ganhou o ouro (17,39 m) no salto triplo em uma prova acirrada, que levou o recorde mundial a ser batido cinco vezes por três diferentes atletas. Entre os competidores do épico tira-teima, estava o brasileiro Nelson Prudêncio. Com a responsabilidade de suceder o bicampeão Adhemar Ferreira da Silva, o paulista ganhou sua primeira medalha olímpica, a prata, ao saltar 17,27 m.
Nas provas de longa distância, os corredores do Quênia e da Etiópia, que se preparam também na altitude, aproveitaram a vantagem sobre os concorrentes e conquistaram juntos dez medalhas, todas no masculino, sendo quatro de ouro. O resultado foi inédito, mas não deve ser creditado apenas à Cidade do México. Os corredores africanos de longa distância passariam a dominar as competições olímpicas nos Jogos seguintes.
Também no atletismo, a mexicana Norma Enriqueta Basilio fez história, mas não pelos seus resultados em casa, já que foi eliminada das provas de 400 m, 80 m com barreiras e 4 x 100 m. A atleta, de então 20 anos, foi a primeira mulher na história a acender a pira olímpica. Ela foi escolhida devido ao desempenho de um ano antes, quando conquistou o ouro no Pan de Winnipeg.
Além da prata de Nelson Prudêncio, o Brasil ganhou outras duas medalhas, ambas de bronze. Na classe Flying Dutchman, os velejadores Burkhard Cordes e Reinaldo Conrad conquistaram a primeira medalha do país na modalidade. No boxe, Servílio de Oliveira foi também o primeiro atleta de seu esporte a subir ao pódio pelo país. Outro pugilista fez sucesso em 1968: o americano George Foreman, ouro no peso-pesado, que se tornaria muito popular nas décadas seguintes.
A Olimpíada de 1968 foi marcada ainda por um triste episódio. Em 2 de outubro, dez dias antes da abertura da competição, estudantes que protestavam contra a ocupação militar em uma universidade foram atacados pelo exército mexicano. Os números de mortes são controversos, mas cerca de 300 pessoas teriam sido assassinadas naquela noite, que ficou marcado como o Massacre de Tlatelolco, local da barbárie.

CURIOSIDADES


Cores olímpicas
Os Jogos na Cidade do México foram os primeiros na história a serem transmitidos a cores. O verde e amarelo da bandeira brasileira, no entanto, só seria assistido pela televisão no país a partir da Copa do Mundo de 1970, também no México.

A tocha
Seguiu a mesma rota de Cristóvão Colombo em 1492, quando descobriu a América, e chegou em Vera Cruz, no México.

Cerveja amarga
Pode parecer brincadeira, mas o sueco Hans-Gunnar Liljenwall perdeu uma medalha de bronze no pentatlo moderno ao ser o primeiro atleta detectado em um exame antidoping. O motivo foram as duas cervejas que tomou para relaxar antes da prova.



BARULHENTO PROTESTO SILENCIOSO



Os panteras negras, os americanos Tommie Smith e John Carlos no pódio mais político da história - AP






A mais emblemática manifestação política nos Jogos Olímpicos não foi um boicote, mas, sim, um silencioso protesto no Estádio Olímpico Universitário, na Cidade do México. Após bater o recorde mundial dos 200 m rasos, o americano Tommie Smith ergueu seu braço direito, com o punho fechado. Ele estava descalço, simbolizando a pobreza vivida pelos negros. O rosto foi desviado, e o olhar para baixo evitava a bandeira americana. À sua esquerda, o conterrâneo John Carlos, bronze na prova, fez o mesmo. Em solidariedade, o australiano Peter Norman (prata) prendeu em seu agasalho broches do Projeto Olímpico pelos Direitos Humanos, grupo do qual os velocistas americanos eram membros. Ele pagaria caro por isso.

O gesto era o símbolo dos Panteras Negras, que fora criado dois anos antes para patrulhar guetos contra a violência policial. Essa era uma das faces mais radicais do movimento negro durante a luta pelos direitos civis. O grupo defendia o armamento da população negra, desejava a imediata liberação dos negros encarcerados nos Estados Unidos e o fim da cobrança de impostos para negros, que sofriam as consequências da escravização.

Como era de se esperar, o Comitê Olímpico Internacional condenou a atitude. Para os dirigentes, a mistura de esporte e política, quando feita por atletas em atividade, deveria ser rejeitada. No estádio, foram ouvidas vaias. Em um primeiro momento, a imprensa também criticou a postura dos corredores, embora o tempo fosse reconhecer a atitude de coragem e contestação. Ao contrário do que muitos pensam, Smith e Carlos não tiveram suas medalhas retiradas pela organização. Expulsos da vila olímpica, eles praticamente encerravam ali suas carreiras no atletismo de alto rendimento.

Smith foi o primeiro homem a quebrar a barreira dos 20 segundos na prova de 200 m, quando fez 19s83 naquela noite. Escolhido em 1967 no draft da National Football League, a liga de futebol americano, teve uma passagem sem muito brilho no Cincinnati Bengals antes de se tornar professor universitário, treinando atletas e ensinando sociologia. Carlos conseguiu marcas expressivas no atletismo no ano seguinte, antes de ter uma breve passagem pelo futebol canadense profissional, semelhante ao disputado nos EUA. Em 2011, ainda ativista, ele participou do movimento Occupy Wall Street.

Embora não tenha erguido o punho, Norman jamais seria perdoado na Austrália, que, à época, vivia problema semelhante de preconceito com a população aborígene. Ele foi ignorado por dirigentes e imprensa de seu país, sem jamais ter recebido o crédito pela bravura e solidariedade. Mesmo quando Sydney sediou a Olimpíada de 2000, não foi lembrado. Entregue ao alcoolismo, o australiano morreu seis anos depois. Smith e Carlos jamais esqueceram. Eles carregaram o caixão do companheiro de prova.