A romena Iolanda Balas conquistou o tão cobiçado ouro no salto em altura - Acervo
Duração:
de 25 de agosto a 11 de setembro
Países: 83
Atletas:
5.338
A medalha de ouro muitas vezes é
acompanhada de histórias épicas. É difícil, no entanto, imaginar uma que supere
a do etíope Abebe Bikila. Com os tênis arruinados durante o treino na Itália, o
integrante da guarda do imperador Haile Seilassie percorreu descalço os 42,195
km da maratona nas ruas de Roma, que, naquele 10 de setembro, marcava 30 graus
centígrados. Detalhe: ele não bebeu água dos copos que lhe ofereciam pelo
caminho. O término foi no Arco de Constantino, símbolo do poder italiano, que
invadiu e conquistou a Etiópia em 1935 sob o comando do ditador Benito
Mussolini. Ele se tornou o primeiro negro africano a conquistar o ouro
olímpico.
A chegada da prova que encerra o
atletismo é o símbolo da competição realizada na capital italiana. Sítios
históricos foram palco da edição, que relembrava os Jogos da antiguidade. O
levantamento de peso foi disputado na Basílica de Constantino e as competições
de ginástica, nas Termas de Caracala. Também havia espaço para a modernidade. A
Olimpíada foi a primeira transmitida ao vivo. Dezoito países da Europa
acompanharam disputas em tempo real. As imagens, geradas pela estatal RAI,
chegaram a 37 nações.
Roma, por sinal, já deveria ter
recebido os Jogos 52 anos mais cedo. Uma erupção do vulcão Vesúvio, em Nápoles,
em 1906, no entanto, inviabilizou o evento na cidade, que seria em 1908. À
época, todos os recursos do país foram direcionados para a reconstrução da
região.
De volta aos esportes, uma
americana teve lugar de destaque na competição: a velocista Wilma Rudolph, que
venceu três provas — 100 m, 200 m (com recorde olímpico) e revezamento 4 x 100
m (com recorde mundial) — e levou o atletismo feminino a um novo patamar de
popularidade. Com 11 segundos cravados, Rudolph fez o melhor tempo do mundo nos
100 m, mas sua marca não foi validada por causa do vento.
Apesar da vitória de Wilma, os
Estados Unidos, com 34 ouros, ficaram pela segunda vez consecutiva atrás da
União Soviética, com 43 ouros, no quadro de medalhas. Uma das grandes
responsáveis pela manutenção da hegemonia inciada em Melbourne-1954 foi a
equipe de ginástica, que levou 10 dos 16 ouros em disputa.
Nos Jogos que marcaram a
despedida do bicampeão olímpico Adhemar Ferreira da Silva, aos 32 anos, o
Brasil viajou com 81 atletas na delegação. Entre eles, uma única mulher, Wanda
dos Santos, do atletismo. O país saiu da competição com duas medalhas. O nadador
paulista Manuel dos Santos Júnior assegurou o bronze nos 100 m livre, mesma
medalha recebida pela equipe masculina de basquete, de Algodão, Rosa Branca e
Amaury.
Roma não sofreu com boicotes, mas
viu a delegação chinesa protestar na cerimônia de abertura, obrigada a competir
como Formosa (hoje, Taiwan), e não China. Os atletas entraram no estádio
olímpico com um cartaz “Sob protesto”. Os Jogos na capital italiana, aliás,
foram a última edição em que a África do Sul esteve presente por um longo
período. Punido pelo COI devido ao regime do apartheid, o país só voltaria em
Barcelona-1992.
CURIOSIDADES
Alvo nem tão
fácil
O experiente atirador finlandês
Vilho Ylönen acertou um tiro perfeito na prova decisiva. Perfeito, é claro, se
não fosse no alvo do concorrente que estava a seu lado. Ele terminou em 4º.
Tudo bem, já tinha duas medalhas: prata em 1952 e bronze em 1956.
Paralimpíada
A primeira edição da história foi
em Roma, uma semana após a Olimpíada.
Morte por
anfetamina
O ciclista dinamarquês Knud Enemark
Jensen, de 23 anos, sofreu um colapso durante sua prova devido à ingestão de
anfetaminas e morreu no hospital. No ano seguinte, um grupo médico foi formado
e, a partir de 1968, o exame antidoping instituído.
Cassius Clay no alto do pódio em 1960 - Acervo
A MEDALHA QUE INSPIROU OUTRAS LUTAS
Em 1960, Roma
viu o primeiro brilho internacional de um garoto negro americano de 18 anos.
Seu nome era Cassius Marcellus Clay Jr., mas, quatro anos mais tarde, o mundo
teria que aprender a chamá-lo de Muhammad Ali. Convertido ao islamismo, o já
campeão mundial dos pesos-pesados não queria usar sua denominação de escravo,
como considerava o nome de batismo. Falecido em 3 de junho de 2016, um dos
maiores e mais conhecidos esportistas de todos os tempos tem sua vida esportiva
e política ligada aos Jogos Olímpicos.
Nascido em
1942, em Louisville, Kentucky, Cassius Clay flertou com a delinquência na
adolescência, mas, aos 12 anos, começou a treinar boxe. Seu desempenho amador é
incrível. Foram 100 lutas, com 95 vitórias e apenas cinco derrotas, e uma série
de premiações estaduais e nacionais. O esporte profissional, no entanto, ainda
teria que esperar.
Na capital
italiana, o americano não encontraria adversários. Até então na categoria
meio-pesado, venceu um belga por nocaute em sua primeira luta, passou por um pugilista
da União Soviética nas quartas de final, um australiano nas semifinais e
superou o polonês Zbigniew Pietrzykowski para conquistar o ouro.
Talvez mais
importante do que aquela vitória, tenha sido o desenrolar dos acontecimentos
que fizeram tal medalha entrar para a história da luta pelos direitos civis de
negros nos Estados Unidos e em todo mundo. Na volta a seu país, Cassius Clay
foi confrontado pela realidade: não podia sequer comer no restaurante que bem
entendesse devido à cor de sua pele.
A situação
fez com que, em sua cidade natal, Louisville, o pugilista abandonasse o símbolo
maior da conquista em Roma. Após uma briga com uma gangue de jovens brancos,
ele jogou a medalha de ouro no Rio Ohio — versão que é contestada por alguns.
De uma maneira ou de outra, a história serviu para ilustrar os Estados Unidos
divididos, especialmente quando contada por aquele sujeito carismático,
contestador e campeão olímpico.
Após os
Jogos, Clay se profissionalizou, iniciou uma trajetória de vitórias, e virou
Ali. Começava também a carreira de um dos maiores provocadores da história do
esporte. Inspirado por populares lutadores de telecatch (as lutas
coreografadas), ele não se furtava a diminuir os rivais e humilhá-los
publicamente. Seu estilo subia ao ringue quando baixava a guarda e mostrava a
capacidade de se esquivar de golpes.
Foi com essa
estratégia que Clay promoveu sua primeira disputa pelo cinturão dos
pesos-pesados contra o então campeão Sonny Liston, em fevereiro de 1964. O
rival foi chamado de urso feio e que, após apanhar, seria doado para o
zoológico. Zebra nas casas de apostas, o falastrão saiu vencedor por nocaute
técnico.
— Eu sou o
maior. Eu sou o rei do mundo — autoproclamaria-se Clay, pouco antes de virar
Ali.
Em 1966, uma
polêmica marcaria sua vida. Convocado para servir o exército americano na
Guerra do Vietnã, o pugilista refutou. À imprensa, disse que nada tinha contra
os vietnamitas, que jamais o haviam insultado por ser negro. Isso o levaria a
perder o cinturão e a ser sentenciado a cinco anos de prisão. Durante mais de
três anos, Ali não pôde lutar por não ter autorizações estaduais em seu país e
por ter o passaporte confiscado.
Em 1971, Ali
perdeu sua primeira luta numa esperada batalha contra Joe Frazier, mas teve sua
revanche três anos depois. Uma épica terceira luta nas Filipinas terminaria com
vitória de Ali, encerrando a trilogia. Outro de seus mais esperados combates
culminou no nocaute em George Foreman, no Zaire.
Após sua
aposentadoria, o ídolo esportivo se dedicou à religião e, com frequência,
apareceu ao lado de políticos em busca da paz. Em 1981, evitou um suicídio ao
dissuadir um homem que ameaçava se jogar do nono andar. Ali foi diagnosticado
com Mal de Parkinson em 1984. Já com a doença em grau avançado, ele recebeu a tocha
para acender a pira na Olimpíada de Atlanta-1996, quando recebeu uma medalha de
ouro substituindo a que teria jogado no Rio Ohio 36 anos antes.
REDENÇÃO NOS PES DESCALÇOS
Abebe Bikila correu descalço a maratona - Acervo
Referência no jornalismo esportivo italiano, Giorgio Cimbrico tinha
apenas 7 anos quando seus pais compraram uma tv em preto e branco para assistir
aos Jogos Olímpicos de Roma, em agosto de 1960. Fora da Europa, Estados Unidos,
Canadá e Japão acompanharam as disputas por vídeo tape. Mas de Gênova, onde
nasceu e foi criado, Giorgio viu, ao vivo, o então Cassius Clay vencer no boxe,
e se encantou totalmente pelo atletismo. Hoje, ele tem sete coberturas
olímpicas no currículo, e lembra exatamente um dos momentos que mais lhe
marcaram na edição de 1960.
— Quando o etíope Abede Bikila venceu a maratona correndo descalço,
ninguém acreditava no que estava vendo. E ele fez isso com uma tranquilidade
tremenda. Era a primeira vez que um negro africano conquistava uma medalha de
ouro olímpica. Até então, outros africanos já haviam ganho, mas competiam por
países europeus. Foi um marco. A história do atletismo mudou a partir dali —
relembra Giorgio, hoje com 63 anos.
O percurso da maratona passava pelos principais monumentos de Roma, a
mais antiga das cidades italianas (fundada em 753 a.C.), e o domínio de um
etíope marcava uma nova era no esporte. A partir daí, iniciou-se a supremacia
africana nas corridas de fundo, principalmente, de países como Quênia, Eritreia
e Etiópia. A vitória foi ainda mais heroica pelo fato de Bikila ter corrido descalço.
A organização do evento chegou a lhe oferecer alguns modelos de tênis, mas ele
não se sentiu confortável com nenhuma das opções e optou por correr da mesma
maneira que treinava: descalço. Também não se importou com os vários trechos de
paralelepípedo do percurso, como são até hoje muitas das ruas do centro
histórico de Roma.
Bikila, por pouco, não foi a Roma. Foi chamado de última hora após seu
compatriota Wami Biratu quebrar um dos tornozelos. Mas quis o destino que ele
não só ganhasse a prova como também estabelecesse o recorde mundial da
distância, com o tempo de 2h15m16. À época, Bikila era do exército etíope e foi
promovido à Guarda Real depois da vitória olímpica. Nos Jogos de Tóquio, em
1964, ele repetiu o feito — desta vez, calçado e recém-operado de uma cirurgia
de apendicite —, tornando-se o primeiro atleta a vencer duas maratonas
olímpicas. Hoje, é considerado por muitos o maior maratonista de todos os
tempos.
Enquanto Bikila dava uma nova dimensão ao cenário esportivo africano, a
África do Sul retroagia no cenário internacional, caminhando na contramão de
seu continente. Em Roma-1960, o país de Nelson Mandela — nesta época, durante
os Jogos, o líder sul-africano já lutava intensamente pela igualdade de
direitos — fez sua última participação olímpica antes de ser banido por 32 anos
do megaevento por causa de sua política de apartheid, que separava negros e
brancos. No megaevento italiano, a África do Sul terminou na 28ª colocação, com
uma prata e dois bronzes.
O jornalista e historiador italiano Augusto Frasca, autor do livro “Roma
olímpica. O verão maravilhoso de 1960", lembra com carinho a vitória de
Bikila, mas, para ele, foi a emocionante disputa entre o americano Rafer
Johnson e o chinês Yang Chuan-Kwang no decatlo que mais marcou a sua memória.
Os dois atletas eram amigos e treinavam juntos na Universidade da Califórnia.
Durante a prova, eles se revezaram na liderança. No fim, apesar de o chinês ser
mais rápido nos 1.500 m (a última disputa), foi o americano que levou a melhor
e ficou com a medalha de ouro.
— Eu tinha 22 anos na época e já era aficionado por esportes. Foi
memorável a disputa entre Rafer e Yang durante os dois dias de competição. Foi
a maior e melhor disputa de decatlo de todas as edições dos Jogos — garante
Augusto.
— Os Jogos de Roma foram um claro reconhecimento internacional de que as
autoridades italianas haviam se reabilitado e recuperado a sua capacidade
organizacional — analisa Augusto Frasca. — Mesmo o país já tendo sediado os
Jogos de Inverno, em 1956, em Cortina d’Ampezzo.