1976, MONTREAL



Na esgrima, os italianos Mario Aldo Montano e Michele Maffei disputaram o ouro no sabre - Acervo/COI




 Duração: de 17 de julho a 1 de agosto
Países: 92
Atletas: 6.084

A principal cidade da província francófona de Quebec superou a russa Moscou e a americana Los Angeles na disputa para sediar os Jogos de 1976, mas mal sabiam seus cidadãos que as dívidas de US$ 1,48 bilhão quase quebrariam Montreal, que não teve apoio do governo federal na realização do evento. Os débitos fizeram os impostos subirem, e demoraram 30 anos para serem pagos. Elefante branco da competição, o Estádio Olímpico ficou marcado como o grande vilão local. Seu apelido “Big O” (Grande O, pelo formato) se transformou em “Big Owe” (Grande dívida), e é possível que ele seja demolido a partir de 2019.

Do ponto de vista financeiro, a Olimpíada esteve longe de ser um sucesso, mas no campo esportivo, proporcionou grandes feitos. O mais lembrado é o da ginasta romena Nadia Comaneci, que, aos 14 anos, alcançou a primeira nota 10 de seu esporte. O desempenho irretocável lhe garantiu o título nas barras assimétricas. Ela deixou o Canadá com três ouros, uma prata e um bronze. Também na ginástica, só que masculina, Shun Fujimoto ajudou o Japão a conseguir o ouro por equipe mesmo com o joelho deslocado. Com a nota 9,7 no solo, o japonês garantiu o alto do pódio para seu país, deixando a União Soviética com a prata.

Para o esporte feminino, os Jogos em Montreal foram de grande importância. As mulheres passaram a disputar torneios de basquete, em que a União Soviética venceu os arquirrivais americanos; de handebol, com nova vitórias das soviéticas, dessa vez sobre a Alemanha Oriental; e do remo, em que a Alemanha Oriental se sobressaiu com quatro dos seis ouros possíveis.

O Brasil conquistou duas medalhas de bronze. Na vela, Reinaldo Conrad, que já havia conseguido a medalha oito anos antes, voltou a ficar em terceiro na classe Flying Dutchman. Dessa vez, ao lado de Peter Ficker.

A outra medalha de bronze veio com João Carlos de Oliveira, o João do Pulo. Ele chegou à Olimpíada com dois ouros pan-americanos conquistados no ano anterior, na Cidade do México, quando venceu o salto em distância e o salto triplo, batendo o recorde mundial do soviético Viktor Saneyev. Recuperando-se de uma cirurgia na barriga, no entanto, foi destronado pelo soviético. Mesmo assim, ampliou a tradição de medalhas do salto triplo brasileiro, iniciada com Adhemar Ferreira da Silva e seguida por Nelson Prudêncio.

Com um dos melhores times de boxe de todos os tempos, os Estados Unidos levaram ouros para casa. Venceram suas categorias Sugar Ray Leonard, os irmãos Leon e Michael Spinks, Leo Randolph e Howard Davis Jr. Desses, apenas o último não se tornou também um campeão do mundo entre os profissionais.

Montreal sofreu um forte boicote dos países africanos, que não aceitavam a presença da Nova Zelândia. A seleção de rúgbi do país, os All Blacks, rompeu o pacto de não competir com equipes sul-africanas durante o regime do apartheid. Foram 28 países e cerca de 300 atletas ausentes da Olimpíada.

CURIOSIDADES


Fator casa?

O Canadá foi o primeiro e segue sendo o único país-sede a não ter conseguido sequer uma medalha de ouro nas Olimpíadas. O país terminou apenas em 27º no quadro de medalhas, com 11, sendo cinco de prata e seis de bronze.

Realeza

A princesa Anne fez parte da equipe britânica de hipismo, que ficou em sétimo.

Trapaça

A Alemanha Oriental teve uma performance arrebatadora, mas, após a queda do muro de Berlim (1989), descobriu-se que o país adotava o doping como prática e aplicava testosterona em mulheres, o que talvez explique os 11 ouros em 13 provas da natação feminina.


O 10 MAIS ESPETACULAR DA HISTÓRIA





Maior nome da modalidade em todos os tempos, a romena Nadia Comaneci compete na ginástica artística em Montreal, em 1976 - Acervo






o que voce fazia aos 14 anos? Nesta idade, a romena Nadia Elena Comaneci encantou o mundo com a mais impressionante performance individual da história das Olimpíadas. Em Montreal-1976, a menina de 1,53m, 45 kg e colecionadora compulsiva de bonecas, com mais de 200 delas, subverteu a elasticidade e a gravidade com graça para conquistar o primeiro 10 de uma uma prova de ginástica artística. Ninguém brilhou tanto no Canadá quando a jovem com suas três medalhas de ouro, uma de prata e uma de bronze.

Nascida em Onesti, uma pequena cidade industrial no interior do país, Nadia se viu, aos 6 anos, e por acaso, diante daquele que seria seu treinador por quase toda a carreira: Béla Károlyi. Ex-pugilista, que competiu em outros esportes, como rúgbi e handebol, aproximou-se da ginástica artística graças aos estudos em educação física. Ao se transferir para Onesti no fim da década de 60, Nadia Comaneci foi uma de suas primeiras alunas.

Conta a história que o treinador se surpreendeu com a jovem que mostrava aptidão para o esporte e, talvez ainda mais importante, não temia a trave. Muito pelo contrário: a menina caminhou sobre ela como se fosse um brinquedo do dia a dia. Os passos seguintes vieram em forma de quatro horas diárias de treinos fortes, com folgas apenas aos domingos. A metodologia de Károlyi e sua mulher, Marta, seria questionada no futuro, mas não por Comaneci.

— Na verdade, eu fazia mais do que eles pediam. Quando Béla dizia “hoje vamos fazer cinco vezes a rotina na trave”, eu fazia sete. Eu não me importo em trabalhar forte e não reclamo por isso. Você tem que trabalhar para subir de nível. Não procuro o jeito fácil, e tenho orgulho disso — declarou a romena.

Quando chegou ao Canadá, Comaneci conhecia o ambiente competitivo tão bem quanto as rotinas de cada equipamento. Ela começou a participar de torneios, como o campeonato nacional júnior de ginástica, aos 7 anos de idade. Um ano depois, já era campeã nacional, feito que repetiria em três edições seguidas.

As medalhas de ouro em competições internacionais, no início na vizinha Bulgária, chegaram aos 9 anos. Com 13, Nadia já competia entre adultas, e com sucesso. Um ano antes da Olimpíada, ganhou quatro medalhas de ouro e uma de prata no Europeu.

Já não recaíam dúvidas sobre o seu talento, mas ninguém esperava o que aconteceria em Montreal. Em sua primeira apresentação, nas paralelas assimétricas, a jovem levantou o público e, ao fim, o telão mostrou a nota “1.00”, apenas um décimo do total possível. Ela nem sequer cogitou que houvesse um erro. Pela primeira vez na história, alguém recebia uma nota perfeita. Até o fim dos Jogos, ela receberia outras seis notas 10 nas paralelas. Os ouros vieram justamente nas paralelas, no individual geral e na trave. O bronze, no solo. Apesar de suas notas, o time da União Soviética superou o da Romênia, deixando o país com a prata por equipe.

A vida dali para frente jamais seria a mesma. Comaneci esteve em capas de revistas, foi a pessoa mais jovem a receber o título de heroína do trabalho socialista, e teve sua família vigiada. Em 1978, em seu primeiro mundial, conquistou uma medalha de ouro, na trave, e duas de prata, no salto sobre o cavalo e por equipe. No Mundial do ano seguinte, conquistou o ouro por equipe. Nadia ainda voltaria aos Jogos de 1980, sem a concorrência da equipe americana, devido ao boicote. Ela saiu de Moscou com dois ouros, no solo e na trave, além de duas pratas, no individual geral e por equipe. Ao todo, em duas edições dos Jogos, ela conquistou nove medalhas (cinco ouros, três pratas e um bronze).

Em 1989, a agora ex-ginasta fugiria da Romênia. Atravessou andando a fronteira com a Hungria, e de lá seguiu para Viena, na Áustria, onde pediu asilo político nos Estados Unidos — algo que Károlyi já havia feito oito anos anos. Em 1990, ela se mudou para Montreal, palco de suas maiores conquistas, onde ficou até 1993, quando, a convite do também campeão olímpico na ginástica Bart Conner, voltou para os EUA. Eles se casaram em 1996. Os dois têm um filho, Dylan Paul, hoje com 10 anos.