1980, MOSCOU




Sebastian Coe, Juergen Straub, Steve Ovett, Andreas Busse e Vittorio Fontanella cruzam a linha de chegada dos 1.500m - Acervo/COI




Duração: de 19 de julho a 3 de agosto
Países: 80
Atletas: 5.179

A invasão soviética ao Afeganistão, em dezembro de 1979, foi o gatilho do maior boicote coletivo da história dos Jogos até então. Em plena Guerra Fria, o presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, anunciou que seus atletas não viajariam a Moscou, numa atitude seguida por quase 70 países, como Argentina, Uruguai, Japão, China, Canadá, Alemanha Ocidental e dezenas de nações africanas. Alguns dos principais países europeus, como Grã-Bretanha, França e Itália, apoiaram o boicote, mas liberaram seus atletas a ir aos Jogos, competindo sob a bandeira olímpica. Assim, a Olimpíada de Moscou teve o menor número de países participantes (80) desde Melbourne-1956.

Com a ausência de potências esportivas como Estados Unidos, Alemanha Ocidental e Japão, a União Soviética e a Alemanha Oriental dominaram completamente os Jogos. Para se ter uma ideia, estes dois países conquistaram 63% das medalhas de ouro daquela Olimpíada. Foram 80 da União Soviética e 47 da Alemanha Oriental, contra 75 de todos os outros países somados.

Ainda assim, não se pode dizer que o boicote acarretou numa queda grande de nível técnico dos Jogos: em Moscou-1980, foram batidos mais recordes olímpicos do que quatro anos antes, em Montreal-1976.

Foi o ano da mais carismática de todos as mascotes olímpicas: Misha, o ursinho que cativou milhões de pessoas pelo mundo. Desenhado por um mosaico formado pelo público na cerimônia de encerramento, a lágrima derramada por Misha, representando a tristeza pelo fim dos Jogos, é uma das imagens inesquecíveis do esporte em todos os tempos.

Além do choro de Misha, outra despedida marcante foi a de Nadia Comaneci. Aos 18 anos, já crescida em relação à menina que assombrou o mundo quatro anos antes, ela deu novo show em sua última Olimpíada, com duas medalhas de ouro (trave e solo) e duas de prata (por equipe e individual geral). Veio também da ginástica o principal atleta daquela edição. O soviético Aleksandr Dityatin arrebatou nada menos que oito medalhas (três ouros, quatro pratas e um bronze).

Como sempre, o atletismo reservou momento especiais. Nas provas de 800 m e 1.500 m, o duelo de dois britânicos, Sebastian Coe e Steve Owett, era o mais aguardado, e não decepcionou. Os dois vinham vencendo todas as provas nessas distâncias nos últimos anos, e chegaram a Moscou com leve favoritismo de Coe nos 800 m e de Owett nos 1.500 m. Nas emocionantes provas finais, os papeis se inverteram, com vitória de Coe nos 1.500 m e de Owett nos 800 m. Nesta última prova, o brasileiro Agberto Guimarães (que 36 anos depois seria o diretor de esportes do comitê Rio-2016) ficou em quarto lugar.

Merecem destaque também o alemão oriental Waldemar Cierpinski, que se sagrou bicampeão da maratona, repetindo o etíope Abebe Bikila, e o pugilista cubano Teófilo Stevenson, o primeiro na história do boxe a ser tricampeão olímpico, na categoria pesado.

CURIOSIDADES

Supremacia
Em um feito jamais repetido, toda a equipe de remo da Alemanha Oriental, com 54 atletas, subiu ao pódio nos Jogos de Moscou. Os alemães conquistaram a medalha de ouro em 11 das 14 provas do programa olímpico.

Guerra fria
Os soviéticos se “esqueceram” de hastear a bandeira dos EUA, que receberiam os Jogos seguintes.


Convidado de última hora
Por causa do boicote, a organização da Olimpíada russa convidou, de última hora, países da África e da Ásia para disputar o hóquei sobre a grama feminino, que faria sua estreia nos Jogos. Um dos convidados, o Zimbábue acabou ficando com o ouro.


DESPEDIDA E OUROS NA VELA

Os Jogos de Moscou não foram marcados apenas pelo boicote americano. Testemunharam o fim de uma tradição esportiva de glórias do Brasil no salto triplo e também as primeiras medalhas de ouro da vela, esporte que seria o responsável por fazer o hino nacional tocar muitas vezes nas sedes olímpicas dali em diante. Além do bronze na natação, com Ciro Delgado, Djan Madruga, Jorge Fernandes e Marcus Mattioli no revezamento 4 x 200 m.

Em 1980, a vela foi disputada a 870 km de distância de Moscou, em Tallin, que hoje faz parte da Estônia. Foi lá que duas duplas brasileiras conquistaram as primeiras medalhas de ouro da vela do país. Antes, o Brasil havia assegurado duas medalhas de bronze, em 1968 e 1976. O primeiro ouro veio com o paulista Alexandre Welter e o sueco radicado no Brasil Lars Björkström, na classe Tornado. No dia seguinte, os cariocas Eduardo Penido e Marcos Soares repetiram o feito na classe 470.

— Estávamos em um nível alto, mas a competição era grande. Nas competições internacionais anteriores, estávamos sempre disputando, mas acabávamos perdendo. Daquela vez, nos superamos — conta Penido. — O boicote americano ajudou. Alguns países não participaram, mas enfrentamos muitos adversários fortes também, da Espanha, Holanda e Alemanha Oriental.

Penido tinha 20 anos quando conquistou o ouro. Soares, 19. A pouca idade dos dois pode ser responsável pela ousadia que garantiu um bom início de campanha, quando abriram vantagem sobre os concorrentes. Os jovens aproveitaram também a vila olímpica, mas, afastados de Moscou, num ritmo diferente dos demais.

— Ficamos juntos dos outros atletas só no desfile. Foi muito legal, mas não chegamos a ver o ursinho chorando porque ainda estávamos fora do estádio. Só vimos as imagens depois. Depois da abertura, fomos para Tallin, onde tínhamos também uma vila, mas apenas com atletas do nosso esporte — lembra.

Naquela cerimônia, era João Carlos de Oliveira, o João do Pulo, quem levava a bandeira brasileira — honra que já havia tido quatro anos antes, em Montreal. Ele carregava também a esperança de medalhas numa prova em que Adhemar Ferreira da Silva se tornou referência ao ganhar o bicampeonato olímpico, em Helsinque-1952 e Melbourne-1956. Depois, foi a vez de Nelson Prudêncio. Na Cidade do México-1968, ele ficou com a prata quando o soviético Viktor Saneyev bateu o recorde mundial do salto triplo. Em Munique-1972, Prudêncio subiu mais uma vez ao pódio, dessa vez para receber o bronze.

Nascido em Lins, no interior de São Paulo, João do Pulo chegou à sua primeira Olimpíada, em Montreal-1976, com chances de ouro. Cabo do Exército, ele vinha credenciado pelo título e recorde mundial júnior estabelecido três anos antes, abrindo os olhos do esporte para o seu talento, e pelo ouro no Pan-Americano da Cidade do México, um ano antes dos Jogos no Canadá, quando venceu também a prova do salto em distância.

O nadador Djan Madruga em sua preparação para as Olimpíadas de Moscou - Otávio Magalhães




Ídolo nacional, João do Pulo era dono do recorde mundial do salto triplo, 17,89 m, a maior marca da prova de 1975 a 1985. O paulista, no entanto, não conseguiu repetir o feito no Canadá. Com 17,29 m, ficou atrás do tricampeão olímpico Viktor Saneyev, o mesmo que batera Nelson Prudêncio quatro anos antes. O americano James Butts terminou na segunda posição. No salto em distância, João ficou fora do pódio (em quarto).

Antes da Olimpíada seguinte, João do Pulo conquistaria o título mundial de salto triplo duas vezes — e, em 1981, conseguiria seu terceiro título. No entanto, mais uma vez, não realizaria o sonho do ouro olímpico. Foi bronze novamente, com 17, 22 m. Dessa vez, Viktor Saneyev foi prata (17,24 m)e outro soviético, Jaak Uudmäe, conquistou o ouro (17,35 m).

O resultado carregaria para sempre a sombra da trapaça. João teve nove saltos invalidados por pisar na linha — um deles daria o tão sonhado ouro a ele. Suspeitava-se que os juízes soviéticos teriam agido deliberadamente em favor de Saneyev e de Uudmäe. Em 2000, o jornal australiano “The Sydney Morning Herald” fez uma grande reportagem demonstrando que os saltos anulados do brasileiro teriam feito parte de uma “operação soviética” para dar o tetracampeonato olímpico a Saneyev. No entanto, nada foi provado.


Em dezembro de 1981, aos 27 anos, João do Pulo chocou o país ao sofrer um grave acidente automobilístico, que o obrigou a ficar internado por quase um ano e ter a perna direita amputada. Ele chegou a ser eleito duas vezes deputado federal por São Paulo. Morreu aos 45 anos, em 1999, com cirrose hepática e infecção generalizada.