1964, TÓQUIO


A russa Larissa Latynina no salto sobre o cavalo - Acervo


Duração: de 10 a 24 de outubro
Países: 93
Atletas: 5.151

A primeira olimpíada na Ásia teve seu momento de maior emoção logo na cerimônia de abertura, no Estádio Olímpico de Tóquio: coube ao jovem Yoshinori Sakai, de 19 anos, acender a pira olímpica do Jogos, que mostrariam a recuperação do Japão quase duas décadas após a Segunda Guerra e celebrariam sua reinserção junto à comunidade internacional. Sakai não fora escolhido por acaso: ele nasceu em Hiroshima, no dia 6 de agosto de 1945, exatamente quando a primeira bomba atômica caiu sobre a cidade japonesa.
Os Jogos de Tóquio traziam ainda novidades: foi a primeira transmissão de televisão que cruzou todo o Oceano Pacífico. Dois esportes muito populares no Japão, o vôlei e o judô (este só para os homens nesta edição) foram introduzidos no programa olímpico, o que renderia no futuro muitos frutos ao Brasil, até hoje uma das maiores potências nas duas modalidades.
Alguns atletas entraram definitivamente para a história em 1964. O etíope Abebe Bikila já era o atual campeão olímpico da maratona, honra conquistada em Roma-1960, e se tornou o primeiro a conseguir duas medalhas de ouro na prova mais longa do atletismo. Bikila teria uma morte trágica, em 1973, após passar quatro anos lutando contra as consequências de um grave acidente de moto sofrido na Etiópia.
Já a ginasta soviética Larissa Latynina encerrou no Japão sua longa carreira olímpica, desta vez com dois ouros, duas pratas e dois bronzes. Ela se tornou então a maior medalhista da história das Olimpíadas, com 18 medalhas (nove de ouro), um recorde que só seria superado 48 anos depois, pelo nadador americano Michael Phelps, em Londres-2012.
Outros dois superatletas daquela edição, ambos da natação, merecem destaque. A australiana Dawn Fraser foi campeã olímpica nos 100m livre pela terceira vez consecutiva, algo inédito. Já o americano Don Schollander foi o maior vencedor individual daquela edição dos Jogos, com quatro ouros.
Schollander, aliás, acabou colaborando para que os Estados Unidos recuperassem o primeiro lugar no quatro de medalhas, superando a União Soviética no número de ouros (36 x 30), mas não na soma total de pódios (90 x 96).
No atletismo, pela primeira vez foi utilizada uma pista sintética.

CURIOSIDADES

Fair play sueco
Os irmãos suecos Stig Lennart Kall e Lars Gunnar Kall foram os primeiros atletas a receber o prêmio fair play do COI ao abandonarem uma regata para ajudar os rivais australianos John Dawe e Ian Winter, que estavam à deriva após seu barco afundar.

Gastos
Os japoneses gastaram cerca de US$ 3 bilhões para organizar os Jogos. Eles receberam ajuda dos EUA.

Protesto sul-coreano no boxe
Os Jogos de Tóquio presenciaram uma cena inusitada no boxe, protagonizada por Dong-Kih Choh. O sul-coreano, desclassificado por lutar com a cabeça abaixada, resolveu protestar e ficou sentado no ringue por 50 minutos, impedindo que outras lutas fossem disputadas.

AÍDA E O BASQUETE EM TÓQUIO




Aída dos Santos competiu no salto em altura - Divulgação





Dos 68 atletas da delegação do Brasil, havia apenas uma mulher, e foi justamente ela quem escreveu a mais impressionante história brasileira em Tóquio. Mulher, negra, de origem pobre, a niteroiense Aída dos Santos, atleta do salto em altura, conseguiu o índice olímpico sem auxílio técnico, e foi assim também que viajou para o Japão. Estava, literalmente, fora da lista oficial da delegação brasileira, o que só foi descobrir ao chegar à cidade olímpica. Sozinha, sem ajuda de intérprete, comprovou o índice e fez sua inscrição preenchendo a ficha em inglês. Treinava sem companhia na vila olímpica.
Sem a básica estrutura para competir, disputou o torneio olímpico com uma sapatilha própria para corrida, e não para saltos, emprestada por um fundista cubano. Também não tinha um médico à disposição e, depois de uma torção no pé ainda na etapa eliminatória, era atendida por um médico da delegação cubana a cada tentativa de salto na final da prova.
Aída foi a primeira brasileira a se classificar para uma decisão olímpica. Ao saltar 1,74m, ficou em quarto, muito perto do pódio. Foi recebida como estrela na volta ao Brasil. Nos anos seguintes, jamais se furtou a relatar o isolamento e o desprezo que sofreu dos dirigentes esportivos brasileiros na preparação para os Jogos de Tóquio.
Quatro anos depois, na Cidade do México-1968, ela competiu no pentatlo, e terminou em 20º. Sua redenção viria pelas mãos da filha, Valeskinha, que, em 2008, jogando como meio de rede, tornou-se campeã olímpica com a seleção brasileira de vôlei.
Ainda muito longe das maiores potências esportivas, o Brasil conseguiu apenas uma medalha em 1964: o segundo bronze consecutivo em Jogos Olímpicos, novamente antecedido pelo título no Campeonato Mundial.
Os Jogos de Tóquio fecharam um ciclo que começou no primeiro título mundial, em 1959, no Chile, passou pelo pódio olímpico em Roma-1960, pelo bi mundial no Rio, em 1963, e se encerrou com a única medalha do Brasil na olimpíada japonesa. Um dos craques daquele time, Wlamir Marques relembra aquelas duas campanhas olímpicas, um patamar que o basquete masculino jamais atingiu novamente.

— Eu diria que Roma-1960 foi a Olimpíada mais romântica. Pela beleza da cidade, a história, o Foro Itálico... Os primeiros jogos eram num ginásio dentro da vila olímpica, que era muito moderna, e a fase final, no Palazzo dello Sport. Confirmamos que o título mundial não tinha sido por acaso. Não foi um torneio fácil, começamos perdendo, e viramos vários jogos. Mesmo já tendo sido campeões mundiais, uma medalha olímpica tem um peso enorme — diz Wlamir.




Wlamir Marques conquistou dois bronzes olímpicos - Acervo



Os placares mostram o equilíbrio do basquete masculino em 1960, com seis vitórias brasileiros, mas nenhuma por mais de dez pontos de diferença. Depois da estreia contra Porto Rico (75 a 72), a seleção conseguiu um triunfo que aumentou muito a confiança, contra a poderosa União Soviética (58 a 54), e depois enfileirou outras quatro vitórias, sobre México (80 a 72), Itália (78 a 75), Polônia (77 a 68) e Tchecoslováquia (85 a 78). Na fase final, a derrota para os EUA (90 a 63) e a revanche soviética, com vitória sobre o Brasil por 64 a 62, deixaram o país com a medalha de bronze, a segunda na história, depois de Londres-1948. Wlamir não esquece os lances decisivo do jogo contra a URSS.
— Faltando 10s, o Amaury (Passos) repôs o lateral para mim, eu arranquei em direção à cesta para virar o jogo, e a arbitragem mandou voltar, dando a posse de bola na lateral para a União Soviética. A bola era nossa, aquilo nos custou a medalha de prata — lamenta Wlamir, que foi o cestinha brasileiro em Tóquio, ao lado de Amaury, cada um com 147 pontos no torneio.
Quatro anos depois, o terceiro lugar se repetiu, mas com roteiro diferente. O técnico da seleção já não era o lendário Togo Renan Soares, o Kanela, e sim Renato Brito Cunha. Uma surpreendente derrota na estreia para o Peru alarmou os bicampeões mundiais. A seleção, porém, garantiu vaga na fase final com vitórias sobre Iugoslávia (68 a 64), Coreia do Sul (92 a 65), Finlândia (61 a 54), Uruguai (80 a 68) e Austrália (69 a 57).
No quadrangular decisivo, derrotas para as duas maiores potências do esporte, Estados Unidos (86 a 53) e União Soviética (53 a 47), mas o bronze veio com a vitória sobre Porto Rico (76 a 60).
— A derrota na estreia gerou um clima de preocupação, mas reagimos. Novamente perdemos no fim para a URSS. Eles tinham um pivô chamado Yan Krumich, de 2,18m, que fez a diferença quando nossos pivôs estouraram o limite de faltas — conta Wlamir. — A vila olímpica era um antigo quartel usado na Segunda Guerra Mundial, um alojamentos de militares. Era enorme, o deslocamento no interior da vila era de bicicleta.


O ESPORTE COMO ÁLIBI




Sebastian Coe lidera os 1500m em 1984 - Acervo CDI




Se durante a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, a realização dos Jogos Olímpicos foi interrompida — não houve edições em 1916, 1940 e 1944 —, foi na segunda metade do século 20 que os conflitos da geopolítica mundial interferiram diretamente nas Olimpíadas. Seja na forma de boicote, com a não ida à cidade olímpica, protestos ou até atos terroristas, a história do maior evento esportivo foi muito marcada por atritos alheios às competições nas cinco edições seguintes: México-1968, Munique-1972, Montreal-1976, Moscou-1980 e Los Angeles-1984. Consolidava-se, pode se chamar assim, a “Era Política das Olimpíadas”, como se verá nas páginas seguintes.
Ocorrida num dos anos mais marcantes do século, 1968, quando movimentos libertários eclodiam em todo o mundo, a Olimpíada do México ficou marcada como a dos protestos, atitude deflagrada na cerimônia de premiação dos 200 m rasos. Os velocistas americanos Tommie Smith (ouro) e John Carlos (bronze) abaixaram a cabeça e ergueram o punho cerrado, vestido com uma luva preta, gesto característico da luta contra o racismo nos EUA. Quatro anos mais tarde, o trágico atentado de Munique, com a morte de 11 membros da delegação de Israel, pôs de vez os Jogos Olímpicos no centro das disputas internacionais.

As três edições seguintes ficariam marcadas pelo protesto em forma de boicote. Em Montreal-1976, 22 países africanos abandonaram a Olimpíada se manifestando contra o que chamaram de omissão do COI, ao não punir a Nova Zelândia, cujo mítico time de rúgbi havia feito uma turnê na África do Sul, este sim um país banido por causa do apartheid. Nas duas edições seguintes, uma na União Soviética e outra nos Estados Unidos, a Guerra Fria, já em sua década derradeira, norteou os boicotes recíprocos: em Moscou-1980, os EUA não viajaram, em protesto aderido por outros países aliados. O troco viria em Los Angeles-1984, quando os soviéticos, apoiados por outros países socialistas, não participaram dos Jogos na Califórnia.